Declarações do chefe do Banco Central, incluindo sobre o impacto de contas públicas mais frouxas e o abandono da orientação de política monetária, azedaram relações com o Ministério da Fazenda, até então seu maior parceiro no Poder Executivo.

Três autoridades do ministério, que pediram anonimato para discutir opiniões pessoais, disseram ter interpretado os recentes comentários do presidente do BC, Roberto Campos Neto, como uma medida deliberada para adotar um tom mais severo com o governo de esquerda que se prepara para substituí-lo no final do ano.

+ Se incerteza continuar alta, BC pode ter que diminuir ritmo de cortes de juros, diz Campos Neto

As tensões crescentes podem antecipar o ruído em torno dessa transição — a primeira sob lei que concede autonomia operacional ao BC — reforçando expectativas de que, para o lugar do atual chefe da autoridade monetária, será escolhido um nome de extrema confiança e trânsito com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe econômica.

Quando Campos Neto foi criticado por Lula no início do ano passado por taxas de juros elevadas, foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quem intermediou reuniões e baixou a temperatura.

No entanto, a sinalização mais recente de Campos Neto sobre eventual corte de juros menos intenso e os ataques à disciplina fiscal do Brasil durante uma maratona de eventos públicos em Washington na semana passada pegaram o Ministério da Fazenda de surpresa, potencialmente queimando pontes ali.

Uma fonte do ministério disse que a postura de Campos Neto, que foi indicado pelo antecessor de direita de Lula, Jair Bolsonaro, tornou-se “política”. Outro chamou-a de “não habitual”.

O BC e o Ministério da Fazenda não responderam a pedidos de comentários.

Em um evento com investidores na quarta-feira passada, aberto à transmissão pública apenas algumas horas antes de começar, Campos Neto indicou pela primeira vez a possibilidade de um corte menor de juros enquanto traçou conjecturas para o futuro tendo como pano de fundo a maior incerteza global. Ele citou tanto a inflação dos Estados Unidos acima das expectativas quanto preocupações com o governo afrouxando sua meta fiscal para 2025.

Uma fonte do Ministério da Fazenda reclamou que ponderações semelhantes sobre taxas de juros nos EUA permanecerem altas por mais tempo abalaram os mercados em setembro e outubro sem uma reação tão dramática de Campos Neto que, à época, optou por ressaltar que a relação com a política monetária brasileira não era automática, sendo necessário avaliar os canais de transmissão para inflação, em particular o câmbio.

Outra fonte do ministério afirmou que as declarações foram feitas no calor do momento, sem que houvesse visibilidade sobre o quão permanentes seriam as consequências do cenário para a moeda brasileira.

Passados alguns dias, o real recuperou parte de suas perdas neste mês, mas na segunda-feira Campos Neto ressaltou que, diante das incertezas, a autoridade monetária ficava impedida de fornecer uma orientação futura para a política monetária.

Em março, o BC havia encurtado esse “guidance” ao sinalizar que previa mais um corte de 0,5 ponto percentual na sua próxima reunião de política monetária, e não mais para os próximos encontros, no plural.

A desconfiança já vinha crescendo na Fazenda, disseram as fontes, desde que Campos Neto começou a defender abertamente no início deste ano que parlamentares aprovassem uma emenda constitucional concedendo autonomia financeira ao BC.

A proposta adicionaria um grau de liberdade ainda maior para a instituição após lei de 2021 ter escalonando os mandatos dos presidentes da República e dos chefes do Banco Central. Dadas as implicações da proposta para o relacionamento do BC com o Tesouro em diversos âmbitos, o alto escalão do Ministério da Fazenda ficou consternado por Campos Neto não ter apresentado o tema previamente a Lula e sua equipe.

Novas apostas para os juros

Apesar da saraivada de críticas de Lula e de suas sugestões de que o Brasil deveria adotar uma meta de inflação mais alta, as relações públicas se estabilizaram em meados de 2023 com Campos Neto, que participou de um churrasco com o gabinete presidencial no fim do ano passado.

O governo optou por manter a meta de inflação em 3% de 2024 em diante, o que ajudou a reduzir as expectativas para a evolução dos preços ao consumidor, abrindo caminho para um ciclo de afrouxamento monetário que começou em agosto e que reduziu a Selic em 3 pontos percentuais até o momento, para 10,75%.

Com a próxima reunião de política monetária em duas semanas, as taxas futuras agora precificam cerca de 90% de chance de um corte de 0,25 ponto percentual em maio, rompendo com a sequência de reduções de 0,5 ponto.

Lula disse nesta semana que esperava que Campos Neto levasse em conta que “o Brasil não corre nenhum risco,” acrescentando que estava avaliando se anunciaria antecipadamente seu sucessor.

Cotados para o cargo

Até agora, dois candidatos principais surgiram para o cargo. Gabriel Galípolo trabalhou como vice de Haddad no Ministério da Fazenda antes de se tornar diretor de política monetária do BC em julho.

Paulo Picchetti, diretor de assuntos internacionais do banco, é amigo de Haddad desde que ambos concluíram o mestrado em economia na Universidade de São Paulo no início dos anos 1990.

Ao divulgar um pacote de medidas para estimular o crédito nesta semana, Haddad disse que Galípolo continuava a colaborar com diversos elementos da agenda da Fazenda desde que assumiu seu novo cargo, mostrando que não é por ter um trabalho autônomo no BC “que a gente precisa ficar de mal”.

Os laços de Galípolo com Haddad continuaram a ser cultivados depois da sua ida para o BC: o diretor pega carona em voos da Força Aérea Brasileira (FAB) com o ministro de Brasília para São Paulo e participa de diversas reuniões informais no gabinete do ministério na capital paulista, entrando inclusive pela entrada privativa, segundo duas outras fontes.

Ao contrário de Picchetti, Galípolo também tem vínculos com Lula que independem de sua relação com Haddad devido à sua conexão com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, seu parceiro acadêmico de longa data, que atua há anos como conselheiro do presidente.